De ‘paulistinha querida’ a ‘lute como uma mulher’: o papel da figura feminina na Revolução de 1932
Ainda há espaço para muitos estudos sobre o tema, mas uma coisa é certa: atuação das mulheres foi importante para o fortalecimento do movimento
“Paulistinha querida. Qual é a tua cor que tanto disfarças com teu pó de arroz? Não és loura, nem morena! Não tens nada de mulata! Paulistinha querida, a tua cor é 32”.
A canção “Paulistinha querida” de Ary Barroso, de 1936, pode ter ficado em segundo em lugar no campeonato de marchinhas de carnaval paulista, mas conseguiu destaque especial no coração da população daquele período, quando ficou bastante conhecida.
O clássico, apesar de escrito por um mineiro, foi uma homenagem ao papel da mulher paulista na Revolução de 1932. A letra remete à presença feminina que contribuiu na luta armada entre as forças militares e civis do Estado de São Paulo e dos exércitos que se manifestaram do lado do governo provisório de Getúlio Vargas.
“Isso se caracterizou [naquele período] numa guerra intensa de palavras, imagens, versões, disputas nos bastidores. E, principalmente nos bastidores, nós temos a participação das mulheres”, explica Rosana M.P.B. Schwartz, coordenadora do programa de Pós-Graduação em Educação, Arte e História da Cultura do Mackenzie.
A historiadora destaca o protagonismo da mulher paulista. “A participação da mulher paulista não foi passiva, ela [mulher] foi um elemento ativo e sua participação, como reprodutora da ideologia dominante, foi de extrema eficácia, cumprindo rigorosamente o papel de mantenedora da ordem naquela época”, disse.
A professora lembra que houve também diversidade de classes sociais, quando mulheres ricas se associaram às mulheres menos abastadas para impedir o enfraquecimento dos ideais paulistas, seja nas oficinas de costura, cozinhando, ou entregando suas joias. “Elas têm uma ação ativa no aspecto da manutenção do espetáculo ideológico”.
Maria José Bezerra
O conflito armado durou 85 dias e, neste período, muitas mulheres que atuavam na retaguarda, costurando uniformes ou cozinhando, assumem papéis antes impensáveis, como o de portar armas e ir para o front.
É o caso de Maria José Bezerra, mais conhecida como “Maria Soldado”. “Ela é símbolo da mulher negra de 1932 e, mais que isso, é uma mulher símbolo do movimento constitucionalista” destaca Rosana Schwartz.
Maria José Bezerra era filha de escravizados, nascida em Limeira, em 1885, e trabalhava como cozinheira em casa da elite, quando passou a participar da luta entusiasmada com as questões de São Paulo. “Sua personalidade combativa a empurrou para as trincheiras. Lutou e foi ferida em combate no setor sul, onde o conflito foi mais intenso, principalmente nas regiões de Buri e Itararé”, explicou a historiadora.
Os restos mortais de Maria José Bezerra estão no Obelisco e Monumento Mausoléu ao Soldado Constitucionalista de 32.
Falta de destaque
Hoje resgatada em homenagens, a participação feminina em 1932 foi catalogada minimamente por fotos e alguns registros escritos.
Doutora e mestre em Direito do Estado, Lúcia Helena Polleti Bettini cita que o fator histórico e cultural daquele período implica na falta de destaque das mulheres na cronologia. “As instituições daquela época eram marcadas pelo patriarcado, que afasta as figuras femininas e as diminui”, explica.
Luiz Eduardo Pesce de Arruda, doutor em História da Cultura sobre 1932, acrescenta: “A revolução de 32 marca a luta principalmente pela igualdade feminina, já que ela era relativamente incapaz. A mulher era tutelada pelo pai e depois pelo marido”. Ele ressalta ainda que, com o alistamento dos soldados, a mulher passa a ocupar espaços na indústria, saúde, logística, o que contribuiu com o avanço da luta pela igualdade, que era distante naquela época.
“Me dá sua calça, pega minha saia. Seu covarde!”
Com valores bastante distintos dos tempos atuais, uma das artimanhas das mulheres, que tiveram relevância no alistamento de soldados, era a pressão pela honra.
Pesce de Arruda ilustra que elas questionavam os soldados pelo não alistamento. Há relatos de que uma parte delas dizia: “Me dá sua calça, pega minha saia. Seu covarde!”, a persuasão muitas vezes dava certo.
Carlota Pereira de Queiroz
Carlota Pereira de Queiroz foi personagem fulcral do período, sendo que coordenou a União Cívica Feminina, grupo responsável pelas patrulhas de alistamento de soldados, por organizar o envio de cartas para os combatentes que não tinham familiares – com palavras de força e incentivo – e também pelo apoio aos cerca de 200 exilados, no pós-guerra, que não tinham suporte financeiro nos países aos quais foram destinados, como Portugal.
Ela se tornou a primeira deputada federal eleita no país, por São Paulo, após a promulgação da Constituição em 1934. Para alcançar o pleito, contou com o apoio de Pérola Ellis Byington, outra figura importante do cenário paulista da década de 1930, nascida em Santa Bárbara d’Oeste.
Mulan Paulista
É possível que a história da Revolução de 1932 possua diversas ‘Mulans Paulistas’ – guerreiras. Porém, em registro oficial, uma se destaca: Maria Sguassábia, professora que se juntou ao movimento junto com irmão e lutou como um ‘soldado’. Na Revolução, tornou-se “Mário” e chegou a prender um tenente de Minas Gerais.
“As mulheres tinham que se passar por homem, para poder se manifestar politicamente”, explicou Rosana Schwartz, enfatizando que, de acordo com as teorias do século 19, as mulheres eram física e intelectualmente incapazes.
Depois do confronto, em retaliação pela honra ferida, o tenente preso arquitetou para que Sguassábia fosse demitida da instituição em que dava aula. “Como que uma mulher vai me prender? Esse era o pensamento da época”, complementa o especialista sobre a Revolução Paulista Pesce de Arruda.
Alesp
Na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, Maria Thereza Nogueira de Azevedo, Maria Thereza Silveira de Barros Camargo e Francisca Pereira Rodrigues foram as primeiras deputadas do Partido Constitucionalista.
Francisca Pereira Rodrigues tinha uma bandeira importante pela Educação. “Ela liderou um movimento importante chamado Bandeira Paulista de Alfabetização, e foi isso que a tornou conhecida”, explica o historiador da Alesp, Allan Fonseca.
Destaque também importante, em relação ao vínculo com a área educacional, deve ser feito a Maria Thereza Nogueira de Azevedo, que era professora. “Ela não estava em São Paulo quando estourou a revolução, mas voltou para participar de 32”.
Já Maria Thereza Silveira de Barros Camargo teve um outro pioneirismo, sendo a primeira prefeita do Estado de São Paulo, em Limeira.
Alesp
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