01/05/2025

‘Disneylândia Holandesa’: um holandês em Holambra

A visita de Sander Wingelaar, de Rotterdam, na Holanda, ao Dia do Rei à brasileira

Felipe Pessoa

Holambra adora tamancos, o que não demora a ser percebido uma vez que você está dentro da cidade. Os klompen, nome original do calçado holandês que data do século XIII (13) e que, tradicional e historicamente, é feito de madeira, serviam para que moradores de regiões rurais da Holanda andassem com mais segurança por campos lamacentos e matagais. Não é nada exagerado — são sapatos arredondados, de formato que lembra vagamente o de uma bota de cano baixo, com um pequeno salto e uma leve protuberância à frente, que pode lembrar um bico.

O formato também variava, a depender da profissão do trabalhador rural. Pescadores, por exemplo, usavam versões mais afiadas e pontudas, porque os ajudava a separar os fios de pesca. A essência operacional, no entanto, não impedia que o calçado fosse usado em contextos mais corriqueiros, na vida cotidiana (como ir à igreja, por exemplo), situações em que podiam ganhar suntuosas decorações elaboradas. Em seu país original, no entanto, o uso não é mais tão comum, e ficou limitado a adornos turísticos.

Já em Holambra, no interior de São Paulo, eles aparecem aos montes. Viram lembrancinhas, vasos de flores, orelhões, versões gigantes do calçado original, onde turistas entram e posam para fotos, e até sapatos em seu significado mais literal, para se usar nos pés, sempre coloridos e decorados.

Em sua primeira visita à cidade paulistana, Sander Wingelaar, de 26 anos, que vive em Rotterdam, na Holanda, contou que “nunca viu tanto tamanco quanto em Holambra”, e achou o excesso dos calçados engraçado.

“Na Holanda atual, o tamanco já não faz mais parte do dia a dia deles, somente em raros casos, e em áreas rurais do país”, conta Filipi Lilla Gomes, de 37 anos, artista plástico, ilustrador e amigo de Sander. Lilla foi quem acompanhou Sander em sua visita à Holambra no último domingo (27), dia em que a cidade comemorava a versão brasileira do Dia do Rei, festival tradicional nos Países Baixos.

“Ele achou muito interessante a fanfarra e a roupa típica holandesa dos integrantes”, destaca Filipi. “[Sander] disse que, na Holanda, não é mais tão comum ver cidadãos usando trajes típicos, nem mesmo nas festividades.” O ponto alto da mistura neerlando-tupiniquim, para o rotterdamense, foi ver uma brasileira holambrense sambando de klompen nos pés.

“Já faz aproximadamente três meses que troquei o clima cinzento do inverno holandês pelo sol brasileiro, e tem sido fantástico. Moro na segunda maior cidade da Holanda, Rotterdam, que é uma cidade mais moderna. Durante a Segunda Guerra Mundial, foi completamente destruída e, desde então, foi completamente reconstruída, o que causou a ausência de um centro histórico, mas muita arquitetura moderna”, explica Sander.

Esta é a primeira vez de Sander no Brasil, onde já está há quase três meses de um total de nove. Ele veio fazer doutorado de duplo diploma na Unicamp nas áreas de saneamento e ambiente, da engenharia civil. Seu intercâmbio é uma parceria entre a Unicamp e a Universidade Técnica de Delft, na Holanda. Assim, Sander acabou por ter dois orientadores, um lá e um cá.

Luana, a orientadora brasileira, é amiga de Filipi e estava no entourage que acompanhou Sander por Holambra. Além dos dois, os pais e a avó do artista plástico e Bruno, outro amigo de Filipi, estiveram no passeio. A escolha do Dia do Rei para ser a data em que Sander conheceria o lugar foi, claro, deliberada. No meio do mar de laranja que era Holambra no domingo d’O Rei, Sander foi moderado: vestiu uma calça jeans de caimento largo e uma camiseta branca, deixando o laranja, um tom específico do Dia do Rei, concentrado um lenço que usou ao redor do pescoço.

Sander estava entusiasmado. Tirou fotos com Anne e Henk, os novos mascotes da cidade “eleitos” oficialmente no domingo, tirou fotos tendo a Rua dos Guarda-Chuvas como cenário e ainda fez registros ao lado dos famosos tamancos. O holandês usou sua língua materna ao saudar idosos enquanto passava pelo Centro Social Holandês, conversou com visitantes do Museu de Holambra e se emocionou, nostálgico, ao ver latas de biscoitos antigas expostas na casa réplica dos Primeiros Imigrantes, porque elas o remetera a sua avó.

Mas nem tudo são flores na Cidade das Flores. Espécie holandesa de mistura entre biscoito e waffle, o stroopwafel estava entre os aperitivos oferecidos no domingo. No lastro de sua investigação neerlando-tupiniquim, Sander até deu um voto de confiança para a iguaria. Não é que tenha achado ruim — longe disso. Achou até bom. Só não era igual ao original.

Após quase três meses no Brasil, Sander pôde concluir que, além do samba e do forró, ritmos que já se prontificou a aprender em aulas de dança, o que mais gosta no país é do próprio brasileiro. Ele acha as pessoas simpáticas e diz que fazem amizade muito rápido. O que menos gosta, por outro lado, é dos processos burocráticos do país. Para ele, algumas coisas poderiam ser resolvidas mais facilmente.

“O estereótipo europeu clássico do Brasil se relaciona principalmente com bom tempo, pessoas bonitas e extrovertidas, muito futebol e muita dança”, avalia Sander. “Embora essas coisas sejam definitivamente verdadeiras de alguma forma, acho que não fazem justiça à diversidade do Brasil. Embora eu soubesse que o Brasil é um país enorme, não percebi o quão grande ele realmente é.”

Um dos fatores que fez Sander se dar conta da extensão da diversidade brasileira foi a diferença brutal entre regiões, e, para ele, isso inclui danças, a personalidade das pessoas, a gastronomia e até a maneira como o país lida com suas músicas.

“Enquanto os outros países latino-americanos compartilham alguns aspectos de sua cultura, principalmente no que diz respeito à música, o Brasil parece ter desenvolvido sua própria cena musical, valorizando e apoiando artistas locais, tornando-os incrivelmente famosos no Brasil, mas relativamente desconhecidos fora do país”, analisa. O Holândês conta que, desde que experienciou o carnaval da região Nordeste, ficou encantado com tipos musicais específicos.

“Durante o Carnaval, visitei Pernambuco e a Paraíba. Tenho um amigo brasileiro morando lá e ele me levou para o carnaval em Olinda, e depois visitamos a cidade natal dele e algumas praias. Descobri o Alceu Valença durante o carnaval em Olinda e, desde então, tenho tocado suas músicas repetidamente”, conta.

“Quando cheguei, estava com algumas dificuldades para encontrar meu ritmo. Eu não falava o idioma e, como a universidade ainda não havia começado [as aulas], foi difícil fazer amigos também”, relata. No entanto, as coisas para Sander têm mudado. “Desde então, porém, comecei a estudar português e, aos poucos, consegui me comunicar com os brasileiros. Estabeleci para mim a meta de aprender a dançar forró e me tornei completamente viciado, pois agora estou tendo aulas três vezes por semana, na tentativa de tornar meus quadris holandeses um pouco mais brasileiros”, conta.

As perspectivas dos amigos Filipe e Sander sobre a carga cultural nostálgica holandesa de Holambra são parecidas. Filipe acha positivo que haja, no Brasil, uma cidade que preserva traços de uma cultura tão radicalmente diferente. Não só isso como acha que, na fusão de “brasilidades” e “holandesices”, Holambra cria algo novo.

Já no caso de Sander, o que predominou foi a mistura de surpresa com identificação, tudo sob uma ótica que é, ao mesmo tempo, de fora e de dentro — de fora do Brasil e de dentro daquele conjunto estético e cultural que via ser replicado. “Meu Deus, é muito louco um lugar no meio do Brasil com tantas referências e nomes holandeses”, exclamou, depois de tirar na Onze Tuin, vila da cidade com residências que replicam o estilo dos Países Baixos. “Ele não imaginava ter uma cidade assim aqui no Brasil”, reforçou Filipi.

“A celebração do Dia do Rei em Holambra foi muito legal. É claro que recebi muitas fotos de amigos na Holanda comemorando o Dia do Rei, já que é a nossa maior festividade, então foi legal poder participar um pouco da festa, mesmo que de longe. Havia muitas diferenças na celebração, já que em Holambra o Dia do Rei era mais para celebrar as tradições holandesas, enquanto na Holanda é mais um festival. Eu diria que o Dia do Rei é a nossa versão do carnaval, no sentido de que todos festejam o dia inteiro “, relembra, dizendo em seguida que o fato de ver bandeiras holandesas por todo lado e tantas pessoas vestidas de laranja o fez sentir em casa. “A única coisa que faltou foi a música holandesa e muita gente bêbada”, brinca.

Se um holandês ficando surpreso com uma cidade brasileira imersa na estética da Holanda não é, por si só, irônico e coincidente o suficiente, talvez o momento em que Sander quis vestir um traje de “holandês tradicional” chegue perto disso. Assim que Filipe disse ao amigo que havia uma agência de turismo local onde ele poderia se “fantasiar”, Sander topou sem pensar duas vezes. “Ele ficou muito empolgado. Olha que louco! Um holandês veio se vestir de um ‘típico holandês’ aqui no Brasil”, apontou Filipi. Segundo o artista plástico, foi como se o amigo estivesse em uma “Disneylândia Holandesa”.

A maior marca que o Brasil deixou em Sander, até agora, é sua forte expressividade e a maneira como ela é canalizada pela cultura da dança. Na Holanda, conta ele, a prática de dançar não tem tanto protagonismo.

“No Brasil, é uma forma de expressão, sem atribuir a ela nenhum significado adicional. Na Holanda, temos um ditado que se traduz aproximadamente como: ‘apenas aja normalmente, e você já estará agindo de forma maluca o suficiente’, o que faz com que os holandeses sejam muito introvertidos e tímidos quando se trata de dançar. Nas festas brasileiras, todo mundo dança com todo mundo, e depois de cada música vocês trocam de parceiro, só para se divertir. Acho que isso é algo que os holandeses realmente poderiam aprender, porque dançar te deixa muito feliz”, sugere Sander.


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