ENTREVISTA DA SEMANA: Cleber Augusto dos Santos
Ator fala sobre ‘Ket Butterfly’, identidade sexual e profissões
“Aprendi a não ligar mais para o preconceito, que infelizmente ainda existe, e muito” (Cleber Augusto dos Santos)
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Texto: Alex Bússulo
Produção: Myllena de Luca
Fotos: Renan Bússulo
Nascido na grande São Paulo, Cleber Augusto dos Santos assumiu ser gay aos 18 anos de idade. Por muito tempo ganhou a vida como transformista na capital e, cansado da vida agitada, saiu à procura de uma cidade mais tranquila para viver.
Há três anos se mudou para Artur Nogueira e criou um personagem tão polêmico, quanto curioso: a Ket Butterfly, uma drag queen que está dando o que falar.
Poucos sabem, mas Cleber quase se formou em Biologia. Estudou em Minas Gerais por dois anos e trancou a disciplina por não se identificar com o curso.
Hoje, aos 34 anos de idade, trabalha como cabeleireiro e maquiador no Espaço Você, em Artur Nogueira.
Na entrevista desta semana, Cleber fala sobre seu personagem, identidade sexual, profissões e prevenção de drogas. Confira:
Cleber ou Ket Butterfly? Então, Ket Butterfly é um personagem criado em Artur Nogueira. Depois que cheguei de São Paulo, conheci e me encantei com o Movimento Cultural Brincantti. Foram eles que criaram esse nome. As meninas do Brincantti tinham o sonho de fazer uma apresentação de drag e como eu vinha de São Paulo com um histórico de shows e apresentações, viram em mim uma oportunidade. Lembro-me que durante a festa do Floresta à Fantasia fiquei encarregado por desenhar as roupas e fazer a maquiagem da turma. Cada uma das meninas foi de uma cor e eu fui todo colorido. Então a Elaine Queiroz, organizadora do Brincantti, falou que era uma coisa meio ‘butterfly’, borboleta em inglês, e aí ligou com o Ket, que já era meu apelido, e nasceu o Ket Butterfly. O Cleber sou eu como estou aqui agora, de cara limpa.
O que é uma drag queen? A princípio, a drag surgiu com homens que se vestiam exageradamente de mulher. A tradução de drag queen é Rainha Dragão, ou seja, algo realmente exagerado. Mas com o tempo isso foi mudando e os homossexuais começaram a tomar conta desse nome, desse rótulo. É questão de exagero mesmo, para exaltar sempre o personagem. Quando eu comecei com as apresentações utilizava o termo transformista, que foi se alterando com o tempo.
Você ainda faz shows? Faço. Na verdade quando mudei para Artur Nogueira eu queria me aposentar como drag, mas não teve como. Fiz uma coisinha aqui e outra ali e quando eu vi estava fazendo um monte. Eu mudei para cá porque trabalhava nas noites em São Paulo em uma casa noturna como hostess (recepcionista de eventos) na portaria, fazia shows e trabalhava em uma agência de modelos. Trabalhava durante o dia e a noite, quinta, sexta, sábado e domingo. O máximo que eu dormia era três horas por dia. Levava uma vida cara, porque a cada vez que eu me apresentava tinha que trazer algo de novo. A maquiagem é cara, peruca é cara, sapato é caro, é tudo muito caro. E tem que mandar fazer, porque não adianta ser uma mulher comum, tem que ser uma mulher a mais. Tem que ser o exagerado, a top das tops, passar só um batonzinho e sair na rua não tem graça. Como drag, você tem que estar exuberante. Ganhei bastante dinheiro com isso. Chegava a fazer quatro shows em uma única noite em São Paulo. Tudo isso é cansativo e eu saí de lá querendo uma paz.
Com que idade descobriu a sua identidade sexual? Desde sempre. A gente nasce assim, acredito que ninguém vira homossexual. Lembro-me que com nove anos eu já colocava sapato da minha mãe, ficava dublando a música ‘Amor e Poder’, da Rosana, que hoje é minha amiga. Na escola, os meninos comentavam de meninas e eu não tinha a mesma visão que eles. A gente enfrenta vários problemas, até realmente se assumir, a gente se enfrenta, acha que não é normal. Só não cometi suicídio, mas quase fiz isso. É complicado, principalmente na época de escola, onde você é alvo de xingamentos e humilhações. Não é uma escolha, eu até digo que se fosse uma escolha eu não escolheria ser assim. Porque é uma escolha que traz muito sofrimento. Hoje em dia estou muito bem, graças a Deus. Mas para chegar aqui tive que enfrentar muitas coisas. Certa vez, o pessoal da escola estava preparando uma apresentação e eu fui convidado a interpretar um vampiro por conta de uma novela da época. Eu tinha 16 anos de idade. Fiz a apresentação, mas no final houve um coro de todo mundo falando ‘viadinho’, muita gente me xingando e eu em cima do palco. Sempre incomodei na escola por ser popular, sempre envolvido em tudo, assim como é aqui também. Na ocasião, chorei bastante. Hoje, aprendi a não ligar mais para o preconceito, que infelizmente ainda existe, e muito.
Com qual idade você se assumiu? Eu tinha 18 anos.
E a família, como reagiu? Minha mãe foi contra no começo. Não entendia a minha situação. Hoje, não a condeno, pois sei que como mãe ela queria o melhor para mim e não queria me ver sofrer. Certa vez, fiz uma apresentação de transformista em uma casa de uma família em Guaratinguetá. Minha mãe era amiga de uma pessoa dessa família. E essa pessoa abriu a cabeça dela. Disse que eu era assim e que seria feliz se seguisse o meu coração. Quando cheguei em casa minha mãe veio em meu encontro e me pediu para ver as fotos da apresentação. Sentei-me ao lado dela e de meu irmão e mostrei tudo.
Depois disso ficou tudo tranquilo com a família? Sim, graças a Deus. Minha mãe chegou a me acompanhar em vários shows. Meus pais são separados, ele mora em Curitiba, não tenho muito contato, ou quase nenhum na verdade. Meu irmão é heterossexual, evangélico, e se dá super bem comigo. Recentemente fiz uma apresentação aqui em Artur Nogueira, e eles foram assistir, tiraram fotos, gostaram bastante. Sabem, que fora essa condição minha, que não é opção é condição, eu sou uma pessoa íntegra, que respeita todo mundo, vivo normalmente como qualquer outra pessoa.
Você se arrepende de alguma coisa? Não, na verdade costumo dizer que se é para me arrepender, me arrependerei do que eu faço e não do que deixei de fazer. Fiz tudo e não me arrependi por ter feito. Se eu não fizesse não saberia como teria sido e me arrependeria por não ter feito. Hoje, vendo minha vida, e minha história, confesso que faria tudo de novo se fosse preciso. Tudo serve para um aprendizado.
Você é feliz? Hoje sou muito feliz, graças a Deus.
Você fala muito em Deus. O que Ele significa em sua vida? Ele é tudo para mim. Embora não frequente nenhuma igreja, sempre converso com Ele. Sinto, profundamente, que Deus me aceita do jeito que eu sou. Assim como qualquer outra pessoa, possuo defeitos e pecados, mas sei que Ele é o Pai de todos e sempre está comigo.
Você faz parte da Comunidade LGBT de Artur Nogueira, que promoveu um evento em julho deste ano. Qual a importância de debater e abordar esse tema, um tanto polêmico nos dias atuais? É um assunto que está em alta, acho importante o debate. Aqui na cidade eu tinha medo por causa das tradições, mas acho que justamente por isso é bacana que tenha um evento assim, para a pessoa ver que não é o que ela imagina que seja. Acredito que tem muita gente que distorce essa imagem da gente. Somos nós mesmos que temos que lutar e mostrar que não é todo mundo igual. Como entre os héteros existem gente boa, no mundo homossexual também. Achei bacana e foi um evento que rolou super de boa. Foi bem aceito apesar da polêmica, gerada até no próprio site, uns contra uns a favor, mas acho que isso faz parte. Cheguei a comentar que ninguém é obrigado a aceitar nada, mas respeitar e se não gostasse do evento era só não ir. Se fosse ao evento que servisse para mostrar e descobrir que não é como pensam, para daí sim ter uma opinião formada.
Uma das questões abordadas no evento foi a prostituição. Você já se prostituiu? Nunca. Porque eu tive o apoio da minha família. Muitos, que são expulsos de casa, acabam caindo nisso pela necessidade financeira e pela revolta com a vida. Conheço muita gente em São Paulo que começou a se prostituir por causa disso. Graças a Deus nunca precisei, não pretendo e não quero.
Você participa do Movimento Cultural Brincantti e fez o maior sucesso no papel do Eurípides, um mordomo na peça teatral “Sua Excelência, o Candidato”, além de interpretar o filho de um imigrante no espetáculo “La Identidad”. Foi você que descobriu a arte ou foi a arte que te descobriu? Acho que foi junto, a gente se encontrou [risos]. Minha mãe, quando era jovem, também fazia teatro, então é de casa mesmo. Meu irmão é músico, todo mundo em casa tem uma veia artística. Minha mãe faz artesanato, mesmo que não seja palco, mas é arte também. Costumo brincar que eu não nasci eu estreei.
Você também participa de um grupo chamado “Dói de Rir”. O que é esse grupo? São como os Doutores da Alegria, que animam e levam alegria para as pessoas dentro dos hospitais. Fundamos o grupo Dói de Rir, em São Paulo, que vai a hospitais, creches, orfanatos e onde for preciso para levar alegria e amor aos que mais necessitam. É um trabalho voluntário. Para entrar no Doutores da Alegria era complicado, pois tinha que ter uma série de cursos e ter o DRT. Pensei em montar um nosso. Eu e meu irmão fazíamos festas infantis, minha mãe tinha um buffet, já existia essa coisa de palhaço. Pensamos em um nome, bolamos tudo e estamos fazendo.
Como é esse trabalho? É fantástico. É um trabalho que a gente procura levar para as pessoas ganharem, mas quem mais ganha somos nós mesmos. Hoje em dia existem várias pesquisas sobre a importância do rir, que é bom e faz as pessoas melhorarem. É bom saber que ajudamos alguém a melhorar. É muito satisfatório. Claro que presenciamos histórias tristes, mas faz parte. Teve um caso de uma criança que estava esperando a gente chegar, cantamos para ela e depois de 15 minutos o pai disse que ela havia falecido. Mas no contexto é tudo muito gratificante. É bom saber que estamos levando alegria às pessoas. Estou com um projeto para trazer a ideia para Artur Nogueira e região. Em breve, acredito que teremos novidades.
Você participará de uma programação no próximo sábado, 6 de outubro, no Centro Cultural Tom Jobim, em Artur Nogueira. O que será esse evento? É uma palestra contra as drogas. O Raoni Zopolato (presidente da Comunidade LGBT de Artur Nogueira) já tinha essa ideia há algum tempo, porque ele realmente tem vontade de ajudar a população. No evento teremos palestrantes que entendem do assunto. A gente sabe que no mundo a droga está aí para quem quiser. No meio artístico muito mais. É uma obrigação darmos esse alerta, do perigo que ela carrega. O encontro acontece a partir das 20 horas e será aberto a todo mundo.
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