Darci Ferreira, entre os vivos e os mortos

COMO FOI QUE VOCÊ VEIO TRABALHAR NO CEMITÉRIO? Em 2005, o chefe de gabinete da prefeitura, Mauro da Vinha, me convidou para assumir esse trabalho e eu aceitei. Já faz quase seis anos que estou nesta função.

NÃO TEVE MEDO QUANDO RECEBEU O CONVITE? Medo? Só de não corresponder com as expectativas. Não me considero apenas um funcionário, sou um servidor público.

VOCÊ LIDA COM A MORTE TODOS OS DIAS, O QUE É MAIS DIFÍCIL NESTA PROFISSÃO? Administração pública é muito difícil, principalmente quando você trabalha com os sentimentos das pessoas, no momento mais difícil da vida. Muitas vezes não podemos nos deixar agir pelas emoções, o profissionalismo faz com que a razão fale mais alto. O que, as vezes, complica mais a situação.

O QUE ACONTECEM COM OS CORPOS ENTERRADOS NO CEMITÉRIO? ELES FICAM PARA SEMPRE NO MESMO TERRENO? Todos os terrenos que estão documentados e com as taxas pagas, são considerados perpétuos, ou seja, nunca serão removidos. Já os que não possuem documentação e nem foram pagos, a prefeitura concede o uso por tempo indeterminado. A lei diz que o prazo permitido para exumação dos restos mortais é de três anos. Nesses acasos, depois de vencidos o tempo, o corpo vai para o ossuário e o terreno volta para a prefeitura.

QUAL É A MÉDIA DE SEPULTAMENTOS EM ARTUR NOGUEIRA? Sepultamos aproximadamente 360 pessoas por ano, é quase uma por dia.

DÁ PRA CALCULAR QUANTAS PESSOAS JÁ FORAM SEPULTADAS NESTE CEMITÉRIO? Estamos trabalhando para termos esta resposta. Em 2005, começamos um trabalho de recadastramento. Este trabalho continua até hoje e não tem data para conclusão. Mas posso dizer, que pelos meus cálculos, mais de 12 mil corpos já foram enterrados aqui.

VOCÊ JÁ TEVE QUE FICAR A NOITE NO CEMITÉRIO? Sim, já passei por alguns momentos.

E COMO FOI? Sempre que ficamos à noite é porque estamos no meio de alguma emergência, ficamos tão preocupados em cumprir nossa tarefa, que nem pensamos em outra coisa.

JÁ TEVE QUE IR DURANTE À NOITE EM ALGUM TÚMULO? Sim, em casos de pessoas estranhas entrando no cemitério, torneiras que estavam vazando água, e algumas vezes que a guarda municipal flagrou indivíduos cometendo furtos dentro do cemitério. Nessa situação o profissionalismo tem que falar mais alto.

MAS E O MEDO? Não dá pra ter medo. Temos que resolver os problemas, sejam eles durante o dia ou à noite.

SINCERAMENTE, VOCÊ NÃO TEM NENHUM POUCO DE MEDO? Não.

POR QUÊ? Porque eles estão mortos!

JÁ ACONTECEU ALGUMA COISA ENGRAÇADA? Certa vez, uma empresa funerária estava fotografando a sala do velório, com tudo o que um funeral precisa ter, menos o corpo no caixão. Nesse momento entrou uma pessoa no velório, e perguntou onde estava o defunto, e alguém respondeu: “Ressuscitou!”. O sujeito ficou tão assustado que saiu gritando “cruz-credo, Ave-Maria!”. Nunca me esqueci disso.

DURANTE TODO ESTE TEMPO DE TRABALHO, VOCÊ JÁ CHEGOU A OUVIR OU VER ALGUMA COISA SOBRENATURAL? Nunca.

ACREDITA EM ASSOMBRAÇÃO? Não, só em sombras. Sombras de pessoas vivas.

DE TODOS OS SEPULTAMENTOS QUE VOCÊ ACOMPANHOU, QUAL FOI O MAIS MARCANTE? Sempre que sepultamos alguém que temos uma maior intimidade, fica uma eterna recordação, principalmente quando essas pessoas fazem parte de nossa família.

COMO COMPREENDE A MORTE? Morrer significa deixar de viver. É o desaparecimento dos sinais vitais da vida de um ser. A morte é uma consequência que a natureza nos determinou. Agora, o após a morte só a Deus pertence. Ele não permitiu que nos fosse revelado. O que resta-nos é acreditar que Jesus Cristo preparou um lugar bonito e tranquilo pra gente morar.

O QUE APRENDEU NESSA PROFISSÃO? Aprendi amar à Deus sobre todas as coisas, e amar nossos irmãos como à nós mesmos. Respeitar as pessoas e ser respeitado. Viver cada momento de nossas vidas como se fossem os últimos, e saber que não somos donos de nada aqui nesta terra, simplesmente fazemos o uso, com a permissão de Deus. Aprendi também que somos dependentes de outras pessoas desde o momento que nascemos até o dia de nossa morte.