ENTREVISTA DA SEMANA: Sensei Rodolpho fala sobre a importância do judô
“O judô me ensinou a respeitar e fazer por merecer o respeito” (Rodolpho Lavoura Neto) ……………………………….. Alex Bússulo Nascido em Limeira, Rodolpho da Silva Lavoura Neto descobriu cedo a paixão pelo judô. Com incentivo da família começou a treinar com apenas quatro anos de idade e não parou mais. Com 15 anos já era faixa […]
“O judô me ensinou a respeitar e fazer por merecer o respeito” (Rodolpho Lavoura Neto)
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Alex Bússulo
Nascido em Limeira, Rodolpho da Silva Lavoura Neto descobriu cedo a paixão pelo judô. Com incentivo da família começou a treinar com apenas quatro anos de idade e não parou mais. Com 15 anos já era faixa marrom e ministrava aulas em escolas de Educação Infantil.
A vocação pelo esporte na infância se transformou em profissão. Rodolpho graduou-se em Faixa Preta pela Confederação Brasileira de Judô e em Licenciatura Plena em Ed. Física pela Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Em 2010, passou no concurso público para Professor de Ed. Física na Prefeitura de Artur Nogueira e começou a desenvolver o Projeto Judô Esporte Social, que ensina a prática do esporte gratuitamente para crianças, jovens e adultos do município.
Hoje, aos 30 anos de idade, comemora o sucesso do projeto e planeja atender mais alunos em 2013. Além de dar aulas de judô, também é professor de Educação Física Escolar, professor do Projeto de Vôlei do técnico Bernardinho e personal na academia Corpo e Vida, em Campinas.
Na entrevista desta semana, Rodolpho fala sobre a importância do judô e sobre o projeto desenvolvido em Artur Nogueira. Confira:
Como o judô entrou em sua vida? Meu pai me matriculou no judô quando eu tinha quatro anos de idade. Eu era muito pacato e o objetivo dele era que o judô me desse maior autonomia. Confesso que no início não gostava, mas meu pai insistiu. Certa vez, meu irmão conquistou uma medalha e, por achar bonita, queria ela para mim. Meu pai a tirou de minha mão e disse que se eu quisesse uma igual, teria que fazer por merecer. Isso me instigou a continuar. Nesse processo passei a admirar meu sensei (professor), Tarcilio Bosco, de Limeira. Aprendi muito mais do que judô com ele. Passei a me sentir bem no tatame. Ganhei muitos amigos, que carrego até hoje. Aos 14 anos passei a auxiliar meu sensei. A partir daí, senti a necessidade de transmitir tudo de bom que aprendi com o judô.
Aos 17 anos de idade você sofreu uma lesão no joelho. Isso limitou sua evolução como atleta? Durante um treino, acidentalmente um colega se atrapalhou em um movimento e realizou um golpe errado e acabou caindo sobre meu joelho. Como a diferença de peso entre nós era muito grande, não resisti e acabei lesionado. Foram três ligamentos rompidos, além de lesão em ambos os meniscos, edema ósseo e derrame articular. Passei por uma cirurgia onde o médico reconstruiu meus ligamentos. Foram três parafusos e um ano de recuperação. Durante toda a recuperação ia para a academia para estudar o judô, mesmo com a perna imobilizada. Assim como qualquer outro esporte, o judô gera um risco de lesão. Não é mais ou menos nocivo por ser uma luta. Foi um acidente. Hoje estou recuperado, mas aconteceu num momento determinante em minha vida, onde acabei por assumir outras prioridades.
Qual a principal diferença do judô comparado a outras artes marciais? Certamente o caráter educacional que o judô possui. Iniciamos a prática aprendendo a cair. Isso, além de preservar a integridade do aluno, gera o desenvolvimento de valores como humildade e respeito. Historicamente, o judô foi criado com o objetivo de integrar diferentes biótipos e ambos os gêneros, possibilitando que todos pudessem praticar a arte da luta, desprezando as características físicas, como força e peso. Jigoro kano, criador da modalidade, desejava formar cidadãos fortes, sadios e úteis a sociedade, explorando a riqueza real e simbólica do combate corpo a corpo, unindo as culturas: intelectual, moral e física. A maioria das lutas possuem o fim em si mesmo, o que faz com que a vitória seja o objetivo. Nosso objetivo no judô é o amadurecimento, o aprendizado. A vitória é uma consequência, importante, mas uma consequência.
Como são classificadas as faixas do judô? Até pouco tempo, cada “escola” tinha a liberdade de utilizar a forma de graduação que entendesse ser interessante. Isso gerou confronto de ideias entre os praticantes, o que fez muitos perderem a essência do esporte. Com o intuito de resgatar os valores históricos e culturais, como também os processos pedagógicos que buscam a formação do cidadão íntegro, a Confederação Brasileira de Judô estipulou, em 2011, as seguintes graduações: Iniciante (cor branca), cinza, azul, amarela, laranja, verde, roxa, marrom, preta (de 1º a 5º Dan), Coral (vermelha e branca 6º, 7º e 8º Dan) e vermelha (9º e 10º Dan). Para o aluno conquistar uma faixa mais graduada, é avaliado a conduta moral, intelectual, além da eficiência técnica. Cada sensei é responsável pela graduação de seu aluno até a faixa marrom. A partir daí, a avaliação é feita pela Confederação Brasileira de Judô, através de suas Federações.
Quanto tempo leva para um aluno conquistar a faixa preta? Depende muito de aluno para aluno. A idade mínima permitida pela Confederação Brasileira para se candidatar ao 1º Dan é de 16 anos, além de ter ao menos um ano de registro como faixa marrom. Cabe ao sensei avaliar o aluno e decidir se o mesmo está apto para se candidatar. Feito isso, o judoca passará por uma triagem, onde a Federação responsável avaliará seu currículo de competições e participações em cursos e organizações de eventos. Passada essa fase o aluno será submetido a exames teóricos e práticos, realizados pela Comissão Estadual de Graduação. É difícil precisar um tempo de prática para tudo isso, mas acredito que um mínimo de 6 a 7 anos para o aluno ter uma maturação geral como judoca.
Um aluno não pode se tornar uma pessoa mais violenta ao praticar uma luta? Isso dependerá muito do contexto onde ele aprenderá essa luta. Não conheço nenhuma modalidade que desenvolva suas técnicas exclusivamente para formar valentões. Para um lutador atingir uma excelência técnica na luta é necessário que possua um grande equilíbrio psicológico. Uma aula de luta que segue uma sequência pedagógica apropriada tende a desenvolver o autocontrole do aluno. O grande problema está nos profissionais desqualificados, que por falta de habilidade e conhecimento, buscam impor sua “marca” através da violência. Infelizmente, como em todas as áreas, as lutas também possuem essa fatia de pessoas que se julgam profissionais. Por isso, o indivíduo que pretende iniciar uma luta deve sempre pesquisar o histórico do professor, verificando se o mesmo é graduado e está registrado na Confederação pertinente. A formação na Faculdade de Educação Física também é importante.
Assim como em outras cidades, Artur Nogueira sempre valorizou mais o futebol e o vôlei. Isso até o ano passado, quando aconteceu a criação do projeto Judô Esporte Social. Além destes esportes, quais modalidades poderiam ser desenvolvidas no município, com intuito de promover o esporte e tirar as crianças das ruas? O caso do futebol é cultural. Além de ser um esporte democrático é o esporte da massa, com muitos talentos residindo no município. Normal essa valorização. Acredito que todos os esportes, cada qual com sua contribuição, se bem desenvolvidos, serão bem aceitos pelos nogueirenses. Trabalho na Secretaria de Esportes há três anos e pude acompanhar a riqueza de talentos que Artur Nogueira possui. Há público para todas as modalidades, desde o rúgbi até o tênis de mesa. Contudo, o município precisa melhorar e aumentar a infraestrutura esportiva. Criar novos espaços e recuperar os antigos. Vejo que é o grande objetivo da Secretaria de Esportes hoje, que passa por uma reestruturação e vê o caso como prioridade. Sei que a nova administração trabalhará muito para melhorar o esporte. Também entendo que pensar em oferecer esporte com o objetivo de apenas tirar as crianças da rua é muito pouco. O esporte tem um potencial para muito mais do que isso. É uma grande ferramenta educacional.
A que atribui o sucesso do Projeto Judô Social em Artur Nogueira? Todo o sucesso deste projeto se deve pelo envolvimento e comprometimento de alunos e familiares. A população abraçou a causa e não mede esforços para ajudar na evolução do judô. Costumamos falar que se formou uma “família” no tatame, e isso não é exagero. Todos que conhecem os objetivos e metodologia apoiam o projeto. Tenho certeza que, com toda essa força da família nogueirense junto ao apoio da nova administração municipal faremos com que muitas outras crianças e jovens se beneficiem com o Projeto.
O Brasil teve em Londres o seu melhor resultado no judô olímpico: foram quatro medalhas e o 6º lugar na classificação geral. Que fator você responsabiliza esse resultado? Como em todas as entidades de mobilização social, tudo é questão de administração. O judô amargou 20 anos sob tutela de maus administradores. Nesse período o esporte manteve um grande número de praticantes, porém sem investimentos para o rendimento. Há cerca de 10 anos, a Confederação reformulou todo o processo administrativo, alterando a forma de selecionar atletas, e aumentando o investimento para treinamentos no exterior e participação de grandes campeonatos. Dessa forma, os brasileiros puderam estagiar com a nata do judô mundial. Nesse período, técnicos e atletas uniram o que há de melhor absorveram nos intercâmbios e associaram ao talento brasileiro. Isso fez com que o Brasil se tornasse na potência que é. Até a década de 90, as medalhas brasileiras eram de mérito individual, casos de Aurélio Miguel e Rogério Sampaio. Um talento que surgia dentre tantos praticantes. Hoje, o Brasil possui vários atletas ranqueados entre os melhores do mundo.
Algum judoca nogueirense tem chance de representar o Brasil nas Olimpíadas em 2016? Vale lembrar que esse não é nosso objetivo principal. Claro que ficaria muito feliz, pois teria um amigo disputando um grande título. Contudo, nosso foco é a formação do cidadão em todas suas esferas, tornando-o apto a viver com autonomia. Porém, não há como desassociar o trabalho social do competitivo. Entendo que a competição possa ensinar grandes valores aos jovens. A iniciativa de competir e seguir os treinamentos objetivando medalhas parte de cada aluno. Dos 200 alunos que encerraram 2012, 15% apresentaram grande talento competitivo. Dois alunos chegaram até as finais do Campeonato Paulista, o que já representa muito. Penso que para 2016 seja muito precoce, até pelo nível de desenvolvimento em que o judô brasileiro se encontra. Mas arrisco dizer que em 2020 corremos um sério risco de torcer por um nogueirense no judô olímpico.
O que te motivou a se tornar um sensei? Em 1997, aos 15 anos e ainda na faixa marrom, passei a auxiliar meu sensei e ministrar aulas em escolas de Educação Infantil. Em 2000, com 18 anos, assumi algumas turmas de iniciação. Assim que ingressei na Universidade, em 2003, dei início ao Projeto Piloto, com o apoio da Unesp, já graduado faixa preta. Foram quatro anos de estudos, análises e modificações para chegarmos ao Projeto que desenvolvemos hoje em Artur Nogueira. Quando paro para revisar minha vida, concluo que o judô interferiu positivamente em muitos aspectos. O judô me ensinou a respeitar e fazer por merecer o respeito. Ensinou-me a cair e levantar quantas vezes forem necessárias. Também aprendi a importância de buscar sempre a evolução. Foi também no judô que conheci meus maiores amigos. Depois de concluir tudo isso, me vejo na grata obrigação de retribuir tudo, transmitindo um pouco do que aprendi.
Qual a melhor idade para começar a praticar o judô? Existem estudos que revelam que a melhor idade para praticar um esporte é entre os seis e sete anos. Outros que citam dez anos. Durante a faculdade, realizei um estudo de caso com um garoto que iniciou o judô aos três anos. Por quatro anos essa criança frequentou as aulas de judô. Com a ajuda de meu orientador, concluímos que a prática precoce não trouxe prejuízos ao desenvolvimento da criança. Pelo contrário, vários índices motores evoluíram, comparados aos de crianças da mesma idade que não praticava judô. Mas isso ainda gera polêmica. Hoje sempre digo que a partir dos três ou quatro anos a criança pode experimentar e vivenciar o judô. Se essa criança se adaptar aos conteúdos e a turma, poderá seguir com as aulas sem problemas. Nesse caso tanto regras como as atividades recebem adaptações.
Como o judô pode ajudar a contribuir com a formação de uma pessoa? Digo que o judô é o esporte individual mais coletivo que existe [risos].
Por quê? Apesar de ser um esporte onde o atleta compete sozinho, a coletividade é essencial para a evolução de um atleta. Não há como treinar judô sozinho. Para um treino render, todos devem se esforçar ao máximo. Isso gera no judô um espírito de equipe muito grande. Para que isso aconteça, todos os atletas devem ter valores muito bem trabalhados, como respeito, disciplina, cooperação, autonomia, responsabilidade entre outros. Não há como se trabalhar o judô sem desenvolver esses valores. Além disso é um esporte que exige muito preparo físico. O próprio treinamento tem a capacidade de aumentar a capacidade física, como força, resistência, velocidade e redução do percentual de gordura. Outra contribuição é o desenvolvimento da autoconfiança. O judô é um esporte muito completo, ideal para a formação completa do aluno.
Como são divididas as aulas no Espaço Múltiplo Uso, em Artur Nogueira? Atualmente contamos com quatro turmas, com aulas às segundas e quartas-feiras. Procuramos dividir os alunos por níveis entre iniciação, aperfeiçoamento e treinamento. São duas turmas de iniciação (às 8h e às 13h30), uma turma de aperfeiçoamento (às 9h) e uma turma de treinamento (às 14h30). Hoje, temos uma necessidade muito grande de ampliar as turmas e horários. O secretário de Esportes Sandro Sacilotto, que sempre apoiou o projeto, identificou essa necessidade e está estudando formas para que isso ocorra.
Todas as vagas para as aulas do projeto já foram preenchidas? Procuramos não limitar o número de vagas. Terminamos o ano de 2012 com pouco mais de 200 alunos. Foi um aumento espetacular de mais de 100% de adesão comparada a 2011. Continuamos com o objetivo de ampliar o número de vagas. Estamos com o projeto de ampliação de horários e também com o sonho de criar mais um núcleo de judô. A ideia é descentralizar as atividades, a fim de oferecer a prática de judô em outros bairros do município. A Secretaria de Esportes já está estudando essas possibilidades. Com isso, acredito que poderemos chegar próximo aos 300 alunos.
Fotos: Renan Bússulo
Caricatura: Tomás de Aquino
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