ENTREVISTA: Raoni Zopolato
Organizador do Encontro LGBT fala sobre evento e polêmicas
“Não existe mais espaço para a discriminação, para negarmos quem somos e vivermos uma mentira” (Raoni Zopolato)
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Alex Bússulo
Dez mil – este é o número esperado de pessoas para a segunda edição do Encontro LGBT de Artur Nogueira. O evento acontece nos próximos dias 19, 20 e 21 e contará com diversas atrações, tais como shows, espetáculos teatrais, baladas, palestras e debates.
Além de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais, o encontro também quer reuniu o público heterossexual e abordar a discriminação e os direitos igualitários.
Para falar sobre a programação e as propostas do evento conversamos nesta semana com o presidente da Comunidade LGBT de Artur Nogueira e organizador do encontro, Raoni Zopolato.
Nascido na cidade de Tucuruí, Pará, veio para Artur Nogueira no ano de 1992, devido ao trabalho do pai. Aos 24 anos, após se abrir pela primeira vez com uma psicóloga, Raoni assumiu a homossexualidade. Confira a entrevista:
Qual a importância do Encontro LGBT para Artur Nogueira? Eu diria que o encontro não é importante somente para Artur Nogueira, mas sim para todas as cidades a nossa volta. Nós temos como objetivo principal trazer informações sobre a realidade dos gays, sobre as condições de repreensão que algumas pessoas vivem. Este ano vamos abordar diversos assuntos, desde relatos de crime homofóbico na cidade a dados de violência contra mulheres, negros, idosos, e quais são as atitudes que quem sofre este tipo de abuso pode tomar. Queremos mostrar que é uma condição e como cidadãos, pagadores de impostos, temos os mesmos direitos que todos os outros cidadãos, como já disse antes, queremos respeito e não aceitação.
Como você avaliou a realização do evento no ano passado? Foi sucesso total! Por ser o primeiro em uma cidade pequena, o número de pessoas que vieram à rua nos prestigiar mostra por si só. Não considero sucesso somente por números, o sucesso do evento vem com os resultados que ele proporcionou, os nogueirenses ficaram mais receptivos, muitas, mas muitas pessoas mesmo me procuraram e ainda me procuram para agradecer pelo trabalho que foi feito, pelas informações que foram trazidas. Pais que viviam em discordância com seus filhos vieram me agradecer por poderem entender a realidade que os mesmos vivem e por obterem a capacidade de aceitar e amar seus filhos do jeito que são. Filhos que tomaram coragem de contar aos pais sua condição também entraram em contato comigo, felizes, pois a reação de seus pais depois do encontro foi totalmente oposta do que esperavam.
Você pode nos relatar um fato específico? Eu tive um caso de uma mãe que não falava com a filha há cerca de dois anos, havia colocado a filha para fora de casa. Essa mãe pediu perdão a filha por ter sido ignorante por este período e trouxe a filha de volta para casa. Casos de pais de filhos héteros envolvidos com drogas que me procuraram para ajudar seus filhos. É muito gratificante ver que seu trabalho está sendo reconhecido, que você está ajudando as pessoas. Essa semana mesmo, teve uma mãe que pediu para conversar comigo, que como ela me disse: “fui sempre mente aberta e agora que minha filha me contou, não estou conseguindo lidar com a situação, você pode me ajudar?”. Minha resposta: “claro, é para isso que eu e as pessoas que me apoiam estamos aqui”.
O tema do encontro deste ano é ‘De Volta ao Armário Nunca Mais, Abaixo a Discriminação’. Qual o significado desta frase? Os negros um dia foram para rua clamar seus direitos e conquistaram, as mulheres fizeram o mesmo, nós não somos diferentes, a primeira parada Gay que teve em São Paulo foi em 1982, eu era um recém-nascido. Nesses trinta anos de marchas, protestos, sempre de forma pacífica, muitas coisas foram conquistadas, muitos direitos, as mulheres não recuaram até hoje, tão pouco os negros, e no mundo em que vivemos não existe mais espaço para a discriminação, para negarmos quem somos e vivermos uma mentira, uma vida paralela, esta frase quer dizer que estamos aqui, somos como somos e que não mais nos esconderemos, a luta é difícil, sempre foi, continuará sendo, mas não recuaremos.
O evento também realizará debates e palestras sobre os Direitos Humanos, Direitos Igualitários e Discriminação. Por que é importante debatermos sobre isso? Você sempre pôde casar-se, adotar filhos, você sempre pôde frequentar os locais que bem entendeu. E nós? Quando estas coisas começaram a nos ser possíveis? Todos têm direito de ir e vir, somos livre para fazermos o que quisermos, mas todos sabem disso? A discriminação realmente acabou? Nós temos um ministro que fala que negros são amaldiçoados, o que afirmações como essas geram? Se não existisse discriminação contra negros por que é preciso haver cota? Se a mulher não é discriminada, por que ela recebe menos que os homens, ocupando um mesmo cargo em uma empresa? O bonitão vai para balada e sai com dez meninas, é garanhão, orgulho para o pai, se a menina faz a mesma coisa ela é mal vista. A base de um país estruturado é a educação e a educação começa aí, com debates, informações. Educação não se tem só na escola, é no dia a dia, em casa, por isso estes assuntos são importantes a serem debatidos.
Assim como no ano passado, o evento deste ano terá a parceria com a E-JOVEM, considerada como a 1ª escola gay do país. Você pode nos explicar melhor sobre o trabalho desenvolvido por esta ONG? Escola gay, acredito que as pessoas quando leem isto pensam que é uma escola para criar gays. Não! Ela é uma instituição aonde gays são recebidos de braços abertos e podem gratuitamente fazer cursos, que vão desde dança, teatro, maquiagem, costura a curso de Drag Queen.
Curso de Drag? Sim, é uma profissão como qualquer outra, que gera muito dinheiro a quem faz shows. Claro que como tudo na vida artística se a pessoa tiver talento, gera muito dinheiro, nas casas de shows, e Drags são requisitadas para todos os tipos de evento, então porque não ter um local específico para que as novas Drags sejam especializadas.
Vocês estão recebendo apoio de políticos da cidade e de outras esferas? Estamos recebendo apoio de políticos de todos os lugares imagináveis. Estive em São Paulo algumas vezes, em conferências, onde pude conversar e ser apresentado a muitos políticos, que estarão presentes de alguma forma neste encontro. Um político que já confirmou presença foi o deputado estadual Edmir Chedid. São pessoas de peso, e tudo isso graças ao trabalho que venho realizando, aos contatos que tenho feito, e as pessoas de fora que notaram meu trabalho. Eu tenho meus mentores, que me descobriram e abriram as portas para mim, eles estarão presentes aqui e serão todos apresentados ao público.
Além dos homossexuais, o encontro também quer atrair o público hétero. Por que? A sociedade é de todos. Como já disse, abordaremos problemas que estão presentes na vida de qualquer um. O público hétero, não gosto de rotular uma pessoa de hétero, pois para mim soa preconceituosamente, acho que deveríamos ser apenas pessoas, mas enfim, o público hétero tem muitas informações disponíveis a eles, que são desconhecidas, que queremos passar. Também queremos viver em harmonia, como um único grupo e para que isso aconteça trazemos atrações de todos os gostos. É aí que acaba o preconceito, quando estão todos juntos, se divertindo, aprendendo, sem medo de ser rotulado de isso ou aquilo.
Qual é o maior desafio que a Comunidade LGBT de Artur Nogueira enfrenta nos dias atuais? A comunidade em si muitos, pois um evento destas proporções e todo o trabalho que realizamos durante o ano é árduo, são muitos imprevistos no meio do caminho. Esta pergunta quer chegar a um desafio específico, que eu não vejo como desafio para comunidade, sendo que outra comunidade, que não pode ser generalizada, por se tratar de meia dúzia de pessoas, nos ataca frequentemente. Isto não me incomoda, porque nós não atacamos ninguém, pregamos o verdadeiro amor, que é o amor entre pessoas, sem barreiras de cor, sexo, etc. Nós não criticamos as manifestações feitas por este grupo, eu até às vezes acho bacana algumas atividades que eles fazem para o grupo deles, já inclusive parabenizei no meu programa na rádio algumas iniciativas deles, então eu entendo que o desafio seja deles, de nos respeitar, que o nosso respeito eles já tem, mas não agem de acordo com a nossa conduta.
Você sofre com alguns comentários de pessoas que são contra o evento? Existe uma pessoa, que eu considero completamente alienada, extremista e que vive em uma realidade paralela. Essa pessoa tem alguns seguidores e essa tal pessoa vem me atacando de graça já a algum tempo. Dizer que eu sofro, eu acho forte demais, eu tenho pena dessas pessoas, elas estão cegas, elas são totalmente contraditórias e vão contra ao que acreditam quando nos discriminam, e de uma forma aveludada fazem apologia ao ódio. O que me incomoda é a perseguição de certas pessoas, que eu considero humilhação pública, crime de ódio, homofobia, entre outras coisas, mas as medidas cabíveis já estão sendo tomadas.
Após a decisão do Supremo Tribunal Federal, que permite a oficialização do casamento homoafetivo, o Cartório de Artur Nogueira realizou duas cerimônias com pessoas do mesmo sexo – todas mulheres. Como você avalia esse passo para a comunidade LGBT? Eu acho ótimo, extremamente positivo para a nossa comunidade. As pessoas só querem selar o amor delas, estão usufruindo o direito que na verdade sempre deveríamos ter tido e que mais e mais pessoas casem. As estatísticas mostram que nos casamentos informais, os famosos amasiados, os casamentos gays tem maior duração e menor índice de divórcio do que os casamentos héteros. Acredito que isso aconteça porque para nós chegarmos a este ponto de poder casar no civil foi difícil. Em algumas uniões civis, que estão sendo feitas agora, os casais já moravam juntos há anos, é uma questão de legalização. E o que eu falo agora serve para todos, casamento é sério. É uma decisão que deve ser feita somente quando se há certeza de ambas as partes que é isso mesmo o desejado, na sociedade hoje casamentos parecem brincadeiras, eu caso hoje, amanhã eu me separo.
Impossível realizarmos esta entrevista sem falar sobre um projeto de lei que tem gerado muita polêmica em todo o Brasil. Em sua opinião o que representa o projeto chamado de “cura gay” criado pelo deputado João Campos? Não existe cura para o que não é doença, inclusive se alguém obter um diagnóstico de gay pode denunciar o especialista, pois este diagnóstico é criminoso e gera consequências legais graves. Desde que já se é comprovado cientificamente que nós nascemos geneticamente assim, não há o que ser tratado, pois ninguém escolhe sofrer preconceito. O projeto já foi vetado, então para mim é uma palhaçada e como palhaçada deve ser tratada como tal, o que eu posso fazer somente são piadas do assunto, ‘por favor, não me curem, eu não tenho roupas para ser hétero’.
Fotos: Renan Bussulo
Caricatura: Tomás de Aquino
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