ENTREVISTA: Vó Nair
Idealizadora da Iefan relembra histórias e fala sobre instituição
“Troquei a depressão pela ação” (Vó Nair)
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Alex Bússulo
Enquanto muitos esperam pela aposentadoria e não veem a hora de parar de trabalhar, esta senhora dá uma verdadeira lição de vida. Aos 81 anos de idade, completados no último mês, Nair Nóbrega Versolatto, carinhosamente conhecida por ‘Vó Nair’, continua movimentando a Instituição Evangélica Filadélfia de Artur Nogueira (Iefan).
No próximo dia 22 de setembro, a instituição comemora 16 anos de existência. A Iefan atende diariamente cerca de 50 crianças nogueirenses, de 6 a 14 anos de idade, que participam de várias atividades, como Judô, Fanfarra, Artesanato, Coral, Informática, entre outras.
Amor, atenção e carinho – de tudo o que a Iefan proporciona, talvez, estas sejam as mais importantes. O projeto teve início em 1997, na própria casa da Vó Nair. “Eu morava em uma pequena casa no bairro Coração Criança com o meu marido, o Tom, juntos nós ficávamos comovidos com a situação de algumas crianças lá do bairro. Muitas viviam pelas ruas, algumas eram utilizadas pelos traficantes como ‘aviõezinhos’ para o transporte de drogas, viviam sujas e com piolhos nas cabeças. Era uma realidade triste. Eu e meu marido não tínhamos muito, mas sabíamos que dava para fazer algo”, conta Nair.
E foi assim que começou. Na humilde casa no Coração Criança, Vó Nair e Tom começaram a acolher as crianças da vizinhança. Todos os dias o casal servia bolacha, chá, leite e ensinavam várias atividades aos pequenos. “Nos reuníamos e fazíamos crochês, artesanatos e, principalmente, falávamos de Deus. Muitos, ali, nunca tinham ouvido falar da Palavra de Jesus. Passávamos o dia assim. Para mim era uma benção de Deus, para as crianças uma oportunidade”, relembra a senhora.
Vó Nair nasceu no Maranhão. Trabalhou na roça até se casar, depois foi para a cidade de São Paulo, onde trabalhou por mais de 40 anos. Aposentou-se e procurou uma cidade mais tranquila para viver. Foi aí que transformou o município ‘Berço da Amizade’ em seu novo lar.
No ano em que se mudou para Artur Nogueira, em 1997, Vó Nair tinha uma doença conhecida como ‘fogo selvagem’, que causava várias feridas internas, atingindo o seu sistema digestivo. Mesmo idosa, nunca gostou de ficar reclamando dos problemas da vida de braços cruzados. Ignorando o problema de saúde, passou a se preocupar com a triste realidade que a rodeava. “Nenhum médico conseguiu descobrir qual era a minha doença. Então, tive que aprender a conviver com ela. Orei, entreguei nas mãos de Deus e fui ajudar quem precisava. O tempo passou até que eu encontrei um dentista que me disse que o meu problema era pênfigo vulgar, o ‘fogo selvagem’. O mais surpreendente é que após alguns meses a doença, simplesmente, desapareceu. Foi Deus. Foi aí que eu tive certeza de que minha missão estava apenas começando aqui em Artur Nogueira”, relembra Vó Nair.
Os dois aposentados faziam de tudo para fazer o lanche das crianças. Tom viajava para outras cidades, onde comprava sacos de café em grãos. Quando chegava em Artur Nogueira, com a ajuda da esposa, moía os grãos, colocava-os em pequenos sacos plásticos e saia vender pelos bairros. “Ele era um homem muito bondoso. Gostava de ajudar as pessoas. Para conseguir dinheiro ele saia vender café. O que conseguíamos arrecadar comprávamos pão e leite para as crianças que nos visitavam”, afirma a idealizadora da Iefan.
Tanto Nair quanto Tom continuaram o projeto de melhorar a vida dos pequenos que os rodeavam. Até que em uma noite de 2003 uma tragédia bateu na casa do casal. Já era de madrugada quando os dois foram acordados por alguém que batia palmas em frente à casa. “O Tom disse que era para eu ver quem estava batendo palma, pois poderia ser uma das mães que sempre nos procuravam por ajuda. Abri a janela, mas não vi ninguém. Fui até a cozinha e quando voltei ao quarto fui surpreendida pela cena mais triste da minha vida. Um homem segurava o Tom pela garganta através da janela do quarto. O sujeito estava do lado de fora da casa, mas conseguiu pegar meu marido. O Tom havia acabado de fazer hemodiálise e ainda estava com os curativos. O homem gritava. Dizia que se eu não abrisse a porta ele mataria o Tom. Saí desesperada pelo corredor, mas antes de abrir a porta consegui ligar para um dos meus filhos e pedir socorro. Abri a porta e o homem entrou. Me puxou pelo cabelo até o quarto. O Tom tentou me defender, mas o bandido começou a chutá-lo. Foi horrível. Nunca vou conseguir me esquecer daquela cena”, conta, emocionada, Vó Nair.
A senhora ainda relembra que o bandido não queria dinheiro e, segundo ela, ele foi com a intensão de matar o casal. “Ele gritava que estava lá para nos matar. Mas tenho certeza de que ele confundiu a casa. Acredito que ele queria se vingar do casal de senhores que morava ao lado da minha casa. Lembro-me que minha vizinha era usuária de drogas e morava com os avós. Ela roubava, inclusive tudo o que a vozinha tinha, para vender e comprar droga. Ela ficou devendo muita droga para alguém, por aí, e eles mandaram o recado que iriam receber. O avô disse que não tinha dinheiro, que também era aposentado e a esposa estava com câncer. Então, o cobrador disse que iria lá para matar. Estava jurado. Ele confundiu, eu tenho certeza que foi isso. O bandido nos bateu até que ouviu a sirene da polícia e fugiu. Ficamos, eu e o Tom, caídos no chão. Meu marido foi levado para o hospital, ficou dez dias internado, mas não resistiu aos ferimentos e morreu. Perdi meu companheiro. Um homem bom, que não desejava o mal para ninguém. Vivia para fazer o bem a quem podia”, conta Vó Nair.
O episódio marcou a vida de Nair. Foi um momento de muita dor e até mesmo incompreensão. Por que aquilo havia acontecido? Eles mereciam aquilo? Várias perguntas passaram pela cabeça dela. Por insistência dos filhos, Vó Nair passou alguns meses em São Paulo. “Não conseguia mais dormir, nem me alimentar direito. Fiquei muito mal. Pelos meus filhos eu deveria ter largado tudo isso e me mudado com eles para São Paulo. Mas decidi continuar a luta que tinha começado ao lado do Tom. Troquei a depressão pela ação. Sei que não posso parar. Foi ajudando essas crianças que eu fui a mais ajudada. Se não fosse esse amor, eu acho que não estaria mais viva”, conta.
Vó Nair tem seis filhos, sendo três homens e três mulheres. Todos insistem sempre para que a mãe se dedique mais à própria saúde e curta mais a vida. “Por meus filhos eu não estaria mais à frente da Iefan. Estaria morando em outro lugar. Tenho uma irmã que mora sozinha, viúva, em São Paulo, em um apartamento chique. Por ela, também, eu já estaria lá. Tenho uma filha, que mora em Valinhos, que também é viúva e quer que eu vá morar com ela. Mas, Artur Nogueira é o meu lugar. É aqui que eu quero passar o resto de minha vida. Quando morrer quero ser velada em Artur Nogueira, uma cidade que me acolheu e que me proporcionou tantas alegrias e amizades”, afirma Vó Nair.
Ela também se emociona quando reencontra alguém que já tenha passado pela Iefan. “É muito comum eu encontrar homens e mulheres que eu já nem me lembrava mais. Pessoas que já estão casadas, tem filhos, construíram famílias. E quando eram pequenos passaram por mim. Eles me veem, sorriem e correm para me dar um abraço. Fazem uma verdadeira festa. Para mim é gratificante. Me abraçam, conversam comigo, vão me visitar em casa. É muito bom. Me sinto muito feliz. É um verdadeiro prêmio. Como se eu tivesse ganhado na loteria”, conta.
Perguntada sobre o que a deixa triste, Vó Nair revela que é a realidade em que se encontram algumas crianças nogueirenses. “A Iefan existe há 16 anos. Neste tempo eu vi muita coisa triste. Orei e pedi forças para que Deus me ajudasse. Hoje, ainda temos crianças que precisam de ajuda, que precisam de amor e atenção. Se eu pudesse fazer um pedido, pediria que os pais dessem mais atenção aos filhos, que estivessem mais presentes no dia a dia dos filhos”, comenta Vó Nair.
A Iefan sobrevive hoje graças a um subsídio dado pela Prefeitura Municipal, doações e eventos que são promovidos mensalmente. “Na verdade, todo mês falta dinheiro. Muitas vezes eu e alguns voluntários chegamos a tirar dinheiro do bolso para cobrir algum gasto. Seria importante que a população se conscientizasse e nos ajudasse. Reconhecesse a importância da Iefan para Artur Nogueira. Todos podem contribuir. E não me refiro a apenas dinheiro. Precisamos de voluntários que possam nos ajudar desenvolvendo atividades. Todo mundo tem algo de bom que pode ser transmitido. Se cada um ajudasse um pouquinho teríamos uma instituição mais forte e que ajudaria mais crianças”, afirma.
Diariamente, as crianças cumprem uma rotina na Iefan. Elas começam a chegar às 7 horas da manhã. Fazem uma oração e, em seguida, tomam um café da manhã. Depois, cada grupo vai para uma atividade. Às 10h30, eles tomam banho, almoçam e vão para a escola. Às 13 horas chega a segunda turma, que repete as mesmas atividades da primeira.
Desde março deste ano, a empresária nogueirense Izalir Olandini responde como presidente da Iefan. “Essa mulher é um verdadeiro anjo de Deus. A instituição corria risco de fechar as portas, não conseguíamos um presidente. Foi aí que surgiu a Sônia Pandolfo, a quem sou muito grata, e este ano a Izalir. Hoje, a Izalir faz coisas que eu nunca imaginei. Só espero que ela não desanime, porque a missão não é fácil. Peço a Deus que a abençoe sempre. Nunca saberei como agradecer”, afirma Vó Nair.
Pouca gente sabe, mas Vó Nair está escrevendo um livro. Ela conta que o livro narrará todas as bênçãos que ela alcançou na vida. “Já faz algum tempo que escrevo, pretendo publicá-lo em breve. Em nome de Jesus! Já defini até o título. Ele se chamará ‘A mão de Deus na minha vida’. Aguardem”, promete a senhora.
Finalizando a entrevista, Vó Nair faz um último pedido: “Por favor, nos ajudem nesta missão. As crianças de nossa cidade precisam de nós”. A Iefan recebe doações de leite, comida, roupas, brinquedos. Quem quiser doar é só ir até a instituição, que fica localizada na Rua Servidão Cinco, 25, no bairro Benvenuto. O telefone de contato é 3827-4138.
Fotos: Gregory Pereira
Caricatura: Tomás de Aquino
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